O Segredo de Sílvia: A Crónica de uma Locutora de Rádio com uma Vida Escondida
O Segredo de Sílvia

Sílvia tinha o mundo na ponta da língua. Os seus lábios vermelhos, emoldurados por um sorriso largo e sincero, davam vida às manhãs na rádio. A sua voz, suave e calorosa, preenchia os carros e as cozinhas de um país inteiro. As pessoas imaginavam uma vida tão luminosa quanto a sua cabeleira loira, mas ninguém sabia o que guardava ela debaixo de tanto brilho. Havia segredos que nunca chegaram a ser contados nos longos monólogos que escrevia, e uma história que se recusava a ser uma simples melodia matinal.
O primeiro segredo era um amor que ardia em silêncio. Um amor impossível, proibido, por alguém que vivia à sombra de outra pessoa. Era um sentimento tão forte que parecia consumir o ar à sua volta. Sílvia falava de amor nas suas crónicas, mas as palavras eram uma máscara para o desespero de um amor que nunca seria seu. Ele era o seu porto seguro, o seu confidente, o seu único ouvinte verdadeiramente atento. Era com ele que partilhava a sua vida, exceto a parte que lhes dizia respeito a ambos. E, no entanto, por vezes, sentia-se egoísta por ter um amor tão grande, ainda que secreto, quando as outras pessoas só o tinham a meias.
O segundo segredo tinha a ver com a sua voz, que era por vezes a sua maior fraqueza. Há uns anos, antes de a rádio se tornar um lugar de felicidade para ela, foi alvo de ameaças que a perseguiam noite e dia. Telefonemas anónimos, mensagens assustadoras, vozes que a avisavam para se calar. O que é que ela tinha feito para merecer isso? Não sabia, mas as palavras eram como adagas, cortando a sua pele, e o medo apoderava-se de todo o seu corpo. A sua mãe, uma mulher de fibra e coragem, tinha-a ajudado a sair daquele pesadelo. Foi ela quem a convenceu a fugir, a ir para o Canadá, para começar uma vida nova. E foi o que fez, mas só depois de muita insistência da mãe, que acabou por ser a sua maior confidente e a única pessoa que sabia o que realmente se passava com ela.
O terceiro segredo era o maior de todos, e o mais doloroso. O que ninguém sabia é que Sílvia se sentia profundamente enganada. O programa de rádio onde era locutora, que parecia ser a sua vida, era na verdade uma armadilha. Aquele sorriso era uma farsa, os lábios vermelhos uma máscara, e o cabelo loiro, apenas uma forma de se esconder de si mesma. Ela não era dona da sua própria voz, das suas próprias ideias, e o seu sorriso era apenas um reflexo do seu maior tormento: o de ser enganada e explorada por quem se dizia seu amigo. E o que a mais doía, era que o programa de rádio que ela tanto amava, a que deu tanto de si, era o seu maior tormento.
Eram estes segredos que Sílvia escondia debaixo daquele sorriso de boca cheia e de uns lábios vermelhos pintados de coragem. Todos pensavam que a conheciam, que sabiam quem ela era. Ninguém fazia ideia, nem por um segundo, de que a sua vida era um romance dramático, cheia de reviravoltas e surpresas que, por mais que tentasse, nunca conseguiria contar.
João Pires autor
Se gostou desta crónica, faça a subscrição deste blogue a fim de receber novas crónicas e outros textos.

